terça-feira, 26 de agosto de 2008

Um momento de inércia total

Ontem, o meu grito morreu preso na garganta.

Hoje venho me confessar...

A primeira cena que lembro foi a minha entrada no ônibus. Na mesma hora, três meninas sentadas nas cadeiras de trás me chamaram a atenção. Nenhuma delas parecia ter mais de dez anos, mas todas estavam sós. Elas tinham aquele jeito de meninas de rua: roupas velhas e gastas, tubo de cola na cintura e o aspecto de quem, há tempos, não toma banho.

Sentei na cadeira ao lado. Durante o resto da viagem, me esqueci das meninas, enquanto lia Clarice Lispector. A leitura durou até a última parada antes da minha. Com o ônibus um pouco mais vazio, as meninas voltaram a me chamar atenção.

Uma delas se levantou e se dirigiu ao banco à frente do delas, onde se encontrava um homem com pouco mais de 50 anos. Com uma aparência de trabalhador fatigado, queimado pelo sol, vários dentes à menos na boca e as roupas de quem vinha do serviço.

Achei que ela fosse pedir dinheiro. E pra falar a verdade, acho que ele foi sim, o problema é que ela chegou nele colocando as suas pernas entre a coxa dele. Ela queria o dinheiro e ia oferecer algo em troca.

Pensei que aquilo não passaria dali, pois estávamos em um ônibus e ele não teria coragem. Apostei todas as fichas que ele iria negar o programa e comecei a pensar em alguma forma de ajudar a menina, quando ela chegasse em mim.

Senti um momento de alívio quando ela retirou suas pernas.

Mas tudo mudou de repente. No momento em que tirei os olhos da cena e virei para janela, ela sentou no colo dele. Por um ínfimo segundo, fui burro o bastante para acreditar que ele fosse tirar ela de lá. Achei que ele fosse fazer a coisa certa. Triste ilusão... Ele botou a mão no pescoço dela e começou a fazer carinho nela, como se faz com uma namorada.

Fiquei paralisado. Eu simplesmente não conseguia acreditar na cena que estava se passando. Como assim ele deixou ela sentar no colo dele? Como assim ele topou um programa com uma criança?

Como assim eu fiquei paralisado?

Eu simplesmente não conseguia me mover. Tentava me mover mais nada se mexia. Nenhuma parte do meu corpo dava sinal de vida. E os dois ali... uma menina de dez anos no colo de um velho.

E eu paralisado...

No susto, consegui perceber que era minha parada. No susto, consegui correr e pular do ônibus antes que as portas fechassem. No susto, fui embora e deixei o pior acontecer. Eu não fiz nada pra impedir.

Fora do ônibus, só podia rezar pra que aquilo não se concretizasse...

Só podia rezar para um milagre impedir o pior de acontecer...

Enquanto o meu eu de carne e osso, o cara do pseudônimo de verdade, ia embora desolado pela rua.

Com nojo da própria inércia.

Um comentário:

Anônimo disse...

Perfídia não apoia coisas assim. E sabe que existe um número para denúncias deste tipo.