quarta-feira, 13 de agosto de 2008

O menino dos olhos perdidos

Na primeira vez que o vi, a sensação era pânico. Ele era o assaltante, enquanto eu era o assaltado. O encontro foi rápido. Só o tempo necessário para ele subir no ônibus, render todo mundo e fazer a coleta do dinheiro. Eram três garotos. Nenhum deles usava capuz, mas foi ele que me chamou a atenção. Não foi o fato de ele ser negro, forte ou ser novo demais (acho que ainda tinha 17). Foram seus olhos. Eram olhos vazios, perdidos. Como se aquele fosse o último suspiro. Por um instante, cheguei a ter pena. Mas foi só por alguns segundos. Ele tomou minha carteira e desceu do ônibus.

A segunda vez que o encontrei foi alguns meses mais tarde. Daquela vez, minha sensação era de revanche. Ele era o réu, enquanto eu a testemunha principal. Dessa vez não foi tão rápido, durou quase cinco horas. Foi só o tempo de todos os envolvidos prestarem depoimento, do juiz dar a sentença e ele ser condenado a alguns anos de prisão. Daquela vez, seus olhos voltaram a me chamar a atenção. Continuavam perdidos no vazio.

Alguns anos mais tarde, voltei a encontrá-lo. Dessa vez, o encontro foi mais rápido que os outros dois. Foi na porta da minha casa. Eu estava chegando, à noite, e ele estava esperando. De longe, eu vi a arma na mão dele. Não corri, não gritei, não virei a cara. Naquele momento, todo o meu corpo era resignação. Foi só o tempo de ele chegar perto, levantar a arma e puxar o gatilho. Morri com aquele olhar na memória. Os olhos perdidos foram as últimas coisas que vi.

4 comentários:

Camilla Tebet disse...

Uau. Esses assaltos nos deixam lembranças de olhos fechados. Nos roubam coisas que não podemos comprar de volta. Não adianta proteção. Somos desprotegidos, desprotegidos.
belo texto.

Mariana disse...

Porque o tanto do vazio de lá era o quanto do cheio daqui....


beijos

disse...

O mundo está cheio de olhares vazios.

Bjo

Kenia Mello disse...

Gostei muito do texto, parabéns.
Beijo.