sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Um cadarço desamarrado no ônibus

Acho que estou ficando velho. Não sei porque, mas às vezes, não consigo mais ver conserto para esse mundo. De vez em quando, sou tomado por uma tristeza quase surreal, um misto de desesperança e dor. Acho que o medo está tomando conta das pessoas, paralisando seus movimentos, manipulando seus atos.

Na semana passada estava dentro do velho Rio Doce/ CDU, sentada na cadeira única, que fica ao lado da porta de saída, quando alguns garotos entraram no ônibus pela porta de trás. Eles entraram agachados, quase se arrastando pelo chão, tentando escapar dos olhos despreocupados do motorista e do cobrador.

Eram cinco garotos, todos vestindo bermudas e camisas regatas. Todos estavam descalços e carregavam consigo aqueles três bastões de madeiras e borracha que eles usam para fazer malabarismo nos sinais. Os garotos permaneceram umas cinco paradas no ônibus, sempre agachados atrás dos bancos para não serem vistos.

Umas duas paradas depois que eles entraram, quatro pessoas se levantaram para descer. Um senhor de uns 50 anos, um cara beirando uns 25, uma mulher com quase a mesma idade e o filho dela, que devia ter uns quatro anos. A criança e a mãe ficaram bem perto dos garotos que estavam abaixados. A mãe parecia evitar olhar para os meninos, o filho nem parecia notar as outras pessoas. Estava abismado com o veículo em que andava.

Foi quando um dos meninos agachados notou que o cadarço da criança estava desamarrado. Sem titubear, ele tocou na mão do guri. Ela demorou um pouco pra olhar, e quando olhou, três dos meninos já haviam notado o cadarço. Ela olhou para os meninos com uma cara de nojo, e nem sequer fez sinal de entender quando eles apontaram para o tênis do garoto e contaram o problema. Na mesma hora ela voltou a olhar para cima. Os meninos ficaram preocupados. Como uma criança de três anos vai descer os três lances de escada do ônibus com o cadarço desamarrado? Sem falar no ajuntamento de pessoas que vai estar na calçada quando eles descerem.

Depois de uma rápida conferência, eles decidiram que iam amarrar o cadarço. Um dos meninos, o ùnico que parecia saber amarrar sapatos, engatinhou de joelhos até a criança e com uma habilidade sem igual, deu um laço perfeito no cadarço. Assim que acabou, ele levantou a cabeça sorrindo para olhar para a mulher. A mulher nem olhou pra cara dele. Assim que o ônibus parou, ela colocou o filho para andar e desceu. Do jeito que estava, os garotos ficaram, estavam entre se ofender e não ligar. Dez segundos depois mudaram de assunto. Acho que já estavam acostumados com aquele tipo de coisa.

Não sei o que levou aquela mulher à não agradecer, mas acho que isso é uma mostra de onde iremos chegar. Será que o medo nos deixou tão paralisados a ponto de não agradecer a um garoto que se arrastou no chão de um ônibus para amarrar o cadarço do nosso filho? Se tivermos chegado a esse ponto, acredito que não temos mais volta, seja lá pra onde estivermos indo...


Audrofonso Araújo III

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